Impasse da tabela do frete chega ao trigo e ameaça preço do pãozinho

Aumento no custo com transporte da farinha vem na sequência de altas do dólar e da cotação do grão

Redação Folha | Folha de São Paulo

28 de julho de 2018

Os impactos da tabela de preços mínimos de frete, adotada para atender os caminhoneiros após a paralisação em maio, agora chegam às padarias.

Os moinhos de trigo afirmam que precisam reajustar os preços da farinha para incorporar mais esse aumento de custo. O setor já sofre há alguns meses com a instabilidade do dólar e com a alta no preço do trigo por causa da seca em regiões produtoras.

Presidente da Abitrigo (Associação Brasileira das Indústrias do Trigo), Rubens Barbosa, diz que o reajuste varia de acordo com a região. Estima que, em São Paulo, ele seria da ordem de 5%. Nos Sul, ficaria próximo de 10%.

Alta do dólar e do trigo já fez o pãozinho subir, em média, 2,5%, segundo o Sindipan - Julia Chequer - 29.jul.2017/Folhapress

Padarias, que já sentiram os reajustes do dólar e da cotação do trigo, ficaram surpresas com a manifestação da entidade. A leitura no setor panificação é que os reajustes anteriores foram suficientes para compensar um frete mais caro.

O fundador do Moinho Pacífico, Lawrence Pih, que vendeu o negócio em 2015, mas acompanha o setor até hoje, resume o ambiente: "São três fatores atuando: o dólar, o aumento do preço do trigo por causa da seca e, por fim, o aumento do frete que impacta tanto no transporte do trigo quanto no transporte da farinha. Ou seja, a tempestade perfeita", afirma Pih.

O Brasil colhe anualmente cerca de 5 milhões de toneladas de trigo e precisa importar mais 5,5 milhões. A maior parte vem da Argentina, que hoje sofre com a seca e pressiona a cotação internacional do produto.

A disparada do dólar no Brasil reforça a pressão porque afeta o preço no mercado interno.

Presidente do Sindustrigo (Sindicato das Indústrias de Trigo de SP), Christian Saigh, diz que a alta do custo de produção bateu em 60% desde março, e que os moinhos ainda precisam repassar mais 10% ao preço final para manter o equilíbrio financeiro.

Antes mesmo da paralisação dos caminhoneiros, as empresas do setor sofriam com outro desajuste: a redução da moagem de trigo, reflexo da demora na recuperação do consumo doméstico.

Para o setor de panificação, o reajuste agora seria inviável. "Nós achamos muito difícil que ocorra mais um novo repasse para o preço da farinha, já que nos últimos 70 dias houve um aumento de 22%", diz Antero José Pereira, presidente do Sindipan (Sindicato da Indústria de Panificação e Confeitaria de São Paulo).

Pereira afirma que o reajuste fez com que o insumo passasse a representar 30% do valor final do pãozinho —antes a fatia era de 25%.

O receio de perder clientes, no entanto, tem feito com que as padarias segurem os repasses ao preço final do produto. "A maioria das padarias subiu 2,5%", diz. Se o repasse fosse integral, a alta teria sido de 8%.

O grande pano de fundo dessa discussão, no entanto, é a pressão de diferentes setores da indústria e do agronegócio para derrubar a tabela.

Caminhoneiros autônomos defendiam sua adoção alegando que não conseguiriam trabalhar sem garantia de renda mínima. A fixação dos fretes, porém, elevou os preços acima dos praticados pelo mercado em vários trajetos.

Alguns transportadores estão descumprindo a lei e ignorando a tabela. Mas grandes empresas de alimentos, que precisaram seguir regras de transparência, não podem burlar a tabela e estão incorporando a alta dos custos.

Depois de diversas ações na Justiça, três das quais estão no STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Luiz Fux suspendeu a tramitação de processos e convocou uma audiência pública para 27 de agosto.

Empresários apostam todas as fichas no resultado desse debate, segundo a Fiesp (Federação das Indústrias de SP).

"Até o final do ano, a gente estima um aumento de custo de R$ 3,2 bilhões pela tabela de frete. E não é só na farinha", diz o presidente da federação, José Ricardo Roriz.

Segundo ele, o custo acabará sendo pago pelo consumidor e será mais evidente em produtos de menor valor agregado, em que o frete pesa mais, como a cesta básica, para as famílias; a areia, na construção civil,;e fertilizantes, para o agronegócio.

Mas nos bastidores, executivos admitem que os preços não têm sido fielmente cumpridos por todas as empresas.

Na prática, a tabela passou a servir como um ponto de partida de negociação, não como valor mínimo.

"Alguma coisa se negocia porque para o caminhoneiro é melhor ganhar alguma coisa do que nada", diz Saigh, do Sindustrigo.

Cláudio Zanão, presidente da Abimapi (Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados) diz que se a tabela dos fretes for cumprida integralmente ficará impossível honrar os custos. Para ele, haverá uma reação em cadeia de repasses até que ele chegue ao consumidor final.

"Nós queremos que a tabela não vigore e que volte ao normal, seguindo as regras de livre mercado", afirmou.